AS VIOLÊNCIAS

Esse é de fato um assunto delicado, mas hoje me sinto tranquila para expô-los.
Para que vocês entendam o porquê deixei as coisas chegarem ao ponto que chegaram preciso dar uma breve passada na minha história.
Começa quando criança, com meus pais me comparando sempre a outras crianças, fulano era mais estudioso, fulana era mais inteligente, outro era mais caprichoso, outro mais organizado. Por mais que me esforçasse não conseguia agradar meus pais e sempre me cobrava mais e mais pela felicidade de outros. Com isso fui bloqueando o que eu era e o que queria fazer. Meu pai era militar rígido, ou seja, em casa era um quartel miniatura, tudo tinha um ritual e ninguém podia questionar.
Vivendo esse clima, levei essa obrigação extrema de "agradar aos outros", pois me sentia rejeitada.
Ainda criança, sofri abuso sexual de dois vizinhos, mas por ser muito pequenina nem entendia o que eles estavam fazendo. Só quando me tornei mulher que me dei conta do que era.
Na escola sofria o que hoje se chama de bullying, ficava frustrada por não ser uma menina popular, apesar de ser muito simpática e participar de tudo era apenas a gordinha, baixinha e de óculos. Minhas amigas também não eram as populares, eram meninas "pré-aprovadas" pelos meus pais e o duro era ser sempre comparada a elas e sempre era a pior. Mas nunca fiquei com raiva delas, afinal elas também não tinham culpa.
Como meu corpo amadureceu muito rápido, bem nova comecei a me interessar por garotos, mas pelos motivos que já expliquei era sempre rejeitava e muitas vezes motivo de chacota. Depois dizem que criança não é maldosa.
Aos 13 anos meu pai foi transferido para a Bolívia, e lá consegui respirar um pouquinho. As meninas de lá eram muito católicas e seus comportamento bem antiquado, a modernidade de lá naquela época era quase os anos 60 do Brasil. Lá consegui fazer várias amizades, geralmente as "populares" lá eram meninas de 18/20 anos. Então dava para se enquadrar melhor, apesar de que continuava sendo rejeitada por diversas vezes pelos meninos populares. Como o círculo de amizades de meus pais lá era também bem menor, já não existia uma comparação tão grande com relação a mim e outras meninas.
Foi uma época de ouro para mim, pois não havia tanta cobrança.  Até os 15 anos estudei em colégio católico e de freiras onde também a educação moral era rígida.
Em 1981 voltei ao Brasil e fui pela primeira vez estudar em um colégio público onde a diversidade de culturas, classes sociais e idades eram diversas.
Novamente não era popular e meus amigos também não eram.
Quase no fim do primeiro ano qual foi minha surpresa quando um "rapaz popular" se interessou por mim. Fiquei encantada com aquele assédio e mesmo percebendo que ele tinha outra garota me sentia o máximo.
Óbvio que comecei a namorar e me deixando levar. Como no início tudo são flores ficávamos sempre juntos e ele não mostrava quem realmente ele era.
Por ser muito nova, sonhadora, e com essa vontade absurda de agradar aos outros, não muito tempo depois já achei que vivia meu romance de Cinderela, mas ele não era nenhum príncipe. Aliás, por minha vontade de casar e sair da rigidez que havia na minha casa, comecei a trabalhar e ele começou a usar meu dinheiro. Criamos uma conta conjunta, mas entrava mais do meu lado do que do dele. Mas tudo bem, eu namorava um cara popular e comecei a ficar popular.
Como nosso relacionamento começou a ficar cada vez mais íntimo, pela minha cultura rígida comecei a me sentir culpada e quis casar, pois assim "seria perdoada". No fundo ele não queria e eu no fundo também não, mas era minha única salvação.
Nessa época já haviam começados os beliscões, ele fazia isso quando em um grupo eu chamava mais atenção do que ele, e os puxões de cabelo, que eram chamados de paixão violenta. Mas eu não via os sinais.
No dia do meu casamento já queria cancelar o casamento, pois nos cumprimentos soube que ele na despedida de solteiro ia sair com prostitutas. Não gostei, mas todos diziam que era uma besteira, que aquilo era normal.
Na lua de mel ele falou algo que não gostei ele disse que "agora eu era dele". Aquilo foi uma bomba. Me senti extremamente vulnerável.
Não dá para comentar 16 anos de relacionamento em um post, mas posso dizer que os problemas que passamos eram muitos. Ele era uma pessoa da vida, tinha muitos amigos, entrava e saía dos empregos com muita facilidade, quem sustentava tudo era eu, ele estava na faculdade e passava os dias jogando sueca lá. Eu também estudava, mas tinha a responsabilidade de colocar o dinheiro em casa para pagar tudo. Ele não tinha hora para chegar em casa, sempre chegava de madrugada. E eu sempre frustrada. Lentamente ele começou a minar minha autoestima, eu era burra, era gorda, não era sexy, era fria. O sexo não era bom, ele achava que tinha obrigação de fazer, pois era a mulher dele.
Claro que hoje, equilibrada, jamais deixaria isso acontecer, mas levando em consideração o que passei desde a infância, o sentimento de culpa, a obrigação do casamento, foi fácil para ele me fazer uma lavagem cerebral. Eu fiquei de tal forma que achava sinceramente que minha vida não existiria se não estivesse com ele.
Foram anos de muito choro, humilhação.
Quando eu parei de trabalhar e ele teve de sustentar a mim e ao filho dele as coisas pioraram de vez, começaram os estupros, as brigas violentas, a fome.
Quando comentava com pessoas mais velhas todos diziam que era normal, que ele estava nervoso por passar por problemas. Que aquilo era coisa de homem, que eu não o aborrecesse, que ia passar.
As traições eram contínuas e ele nem fazia questão de esconder as mulheres, algumas vezes até levou em casa como "amigas". Quando questionado falava que eu estava louca e geralmente acabavam em pancadaria e eu largada em casa machucada.
Muitas vezes também saía com outras mulheres e me forçava a um segundo turno com ele sem ao menos tomar um banho. E isso regado a palavras de humilhação.
A fome também foi um episódio triste, quando pedia dinheiro para comprar alimento ele me mandava trabalhar, pois ele trabalhava para ele comer. Lembro-me com lágrimas nos olhos uma vez que tinha 50 centavos e tinha que ir buscar meu filho na escola. Era um daqueles verões infernais e eu não sabia se vinha de ônibus com meu filho no sol ou comprava 200g de linguiça para fazer com um angu que minha tia tinha me dado. Fui ao mercado chorando por todo o caminho e voltei com meu filho disfarçando as lágrimas.
A vida havia ser tornado um inferno tão grande que a morte seria uma benção.
Entrei em depressão, me tratei com psiquiatra e terapeuta e foi graças a terapia que 5 meses depois consegui mandá-lo embora e mesmo assim ele afirmava que eu estava louca, mesmo descobrindo que ele estava tendo um relacionamento sério com uma aluna de 16 anos. Ele nunca assumiu para a família dele ou para a minha. Isso só aconteceu depois de mais de um ano após a separação.
Mesmo depois de separada, ele continuava nas investidas na minha casa, uma vez houve estupro, uma outra vez tentou me matar com um taco de hóquei mas eu nunca pensei em denunciá-lo por causa do meu filho. ERRO MEU! Ele também era sem paciência nenhuma para o filho e muitas vezes o agredia física e verbalmente. Ele não era um pai presente. Hoje meu filho não fala com o pai, tem muito ressentimento de tudo que ocorreu com a gente. O pai também não o procura, visto que gosta de ser venerado como um Deus e meu filho sabe que ele não o é.
Eu escrevi brevemente essa história porque quero deixar um conselho a todas as mulheres, não deixem sua vida chegar ao ponto que chegou a minha. Pessoas não mudam de personalidade, quando começar as agressões verbais e físicas, não tenham medo, DENUNCIEM e se separem, não entrem nessa de dar outra chance. Se você voltar atrás eles não te respeitarão. Fiquem alerta aos sinais. Existe uma longa vida após a separação. VOCÊ TEM O DIREITO DE SER FELIZ.
Muitos me perguntam como sou do jeito que sou após tanto sofrimento. Eu também não sei. Tenho muitos traumas, mas nunca deixei de acreditar que poderia ser feliz.
Estar aberta a vida é o segredo da felicidade, pois a felicidade pode estar quando você virar a esquina e sinceramente uma mulher não precisa de um homem para ser feliz. 
AMEM- SE ANTES DE AMAR OUTROS.

Segue então uma música que ouvia e ouço até hoje e que ainda me faz chorar.
É um aviso para as mulheres e um pedido para os homens.
http://www.youtube.com/watch?v=8ObhYdVJtb4





Comentários

  1. Sheila, esse relato me trouxe lágrimas aos olhos! É um retrato do que nossa sociedade machista faz com as mulheres. Sempre achamos que devemos servir aos homens, que devemos agradar a todos, custe o que custar. Seu relato deveria ser lido por muitas e muitas mulheres que passam pela mesma situação, em diferentes níveis.
    Quando criança eu nunca fui muito popular, inclusive um dos meus sonhos é voltar no tempo, para aquela época, e fazer tudo diferente. Mas não me incomodou muito, meu pai, pra minha sorte, me criou de uma maneira diferente, para ser livre e independente, então isso não passou de melindres de adolescente. Mesmo assim sou uma pessoa insegura, é minha natureza.
    Todas nós que já passamos por algum tipo de dificuldade na vida choramos juntas ao saber de histórias como a sua. Eu concordo com os que dizem não saber como você consegue ser assim hoje, mas fico feliz por ter superado.
    Obrigada por compartilhar algo tão íntimo e doloroso.

    ResponderExcluir
  2. Obrigada pelo comentário amiga. É difícil falar de coisas tão íntimas, delicadas e sofridas, mas a minha intenção é de ajudar mulheres que estejam passando por situações parecidas e dizer que não precisamos ser infelizes nessa vida.Sempre há uma luz no fim do túnel.

    ResponderExcluir
  3. (havia escrito um comentário mas o chrome deu pau)

    ai...
    Também passei por vários tipos de violência, alguns até parecidos aos que vc conta. Tem que tratar de seguir adiante mesmo :(
    Raramente fico emocionada de ler algum texto, mas o teu me comoveu. Obrigada por compartilhar, e mais ainda se isso te faz sentir melhor :)
    Esse "moralismo" conservador da sociedade brasileira realmente é uma merda oO

    ResponderExcluir
  4. Isso devia virar cartilha, Sheila, ser distribuído nas escolas. Evitaria muitas vidas infelizes. Minha mãe teve uma vida muito sofrida, também sofreu violência no primeiro casamento dela. Ela não gostava muito de comentar, falava pouco. Disse que uma vez teve que passar a noite na casinha do cachorro. Imagino todas as coisas que ela não falava. E o relacionamento só acabou porque ele foi embora, sumiu sem dar satisfação nenhuma e ela com duas crianças pra sustentar. Eu gostaria de dizer que depois tudo deu certo e ela foi feliz para sempre, mas se foi, foi por bem pouco tempo. Por isso eu desprezo quando alguém diz que tudo vai dar certo. Nem sempre dá, não pra todo mundo. Detesto gente que fica brincando de contente. Não sou pessimista, mas também não sou cega.

    ResponderExcluir
  5. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  6. Para virar castilha temos que divulgar bem mais esse blog. :) beijos

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

REFLEXÃO. O PAPEL AMASSADO

SOBRE INGRATIDÃO E PESSOAS PREPOTENTES

O ETERNO DILEMA NATAL X ANO NOVO